Em 26 de abril de 2023, a 1.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), julgou o Tema n.º 1.182, no qual analisou a possibilidade de exclusão dos benefícios fiscais de ICMS diversos do crédito presumido (tais como a redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento e outros), da apuração do IRPJ e da CSLL.
Tendo como paradigma representativo da controvérsia os Recursos Especiais (REsp) n.os 1.945.110/RS e 1.987.158/SC, sob relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, discutiu-se se o entendimento firmado no EREsp n.º 1.517.492/PR (que excluiu os créditos presumidos de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL) deveria ou não ser estendido aos demais benefícios fiscais de ICMS.
Os Ministros da 1.ª Seção entenderam por dar parcial provimento aos recursos especiais (da Fazenda no REsp n.º 1.945.110/RS e do contribuinte no REsp n.º 1.987.158/SC), determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que seja verificado o cumprimento das condições e requisitos previstos em lei para a exclusão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL dos demais benefícios fiscais de ICMS, que não seja o crédito presumido, dentro dos limites cognitivos que as demandas judiciais comportem.
Desses resultados e leitura dos acórdãos, extrai-se que as teses firmadas nesse recente julgamento foram as seguintes:
- Impossibilidade de exclusão dos benefícios de ICMS (diverso do crédito presumido) da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando respeitados os requisitos previstos no art. 30 da Lei nº 12.973/2014 (constituição de reserva de lucro e não distribuição aos sócios).
- A reserva só pode ser utilizada para absorção de prejuízo ou aumento de capital
- O julgado esclareceu o entendimento firmado no REsp nº 1.968.755/PR (de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques), de que para usufruir do benefício não se pode “exigir a comprovação de que os incentivos o foram estabelecidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”. Porém, persiste a necessidade de registro em reserva de lucros e limitações correspondentes (impossibilidade de distribuição aos sócios ou capitalização para posterior distribuição)
- Não é necessário que os benefícios fiscais de ICMS tenham sido concedidos como estímulo à expansão ou implantação de empreendimentos econômicos. Contudo, se o lucro gerado em razão do aproveitamento do benefício fiscal for utilizado para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico (como a distribuição de lucros aos sócios/acionistas, por exemplo), a RFB pode autuar o contribuinte para cobrar o IRPJ e CSLL que deixaram de ser pagos em razão da exclusão de tais benefícios fiscais da apuração de tais tributos.
Verifica-se, portanto, que a decisão apenas esclarece o voto anterior do Min. Campbell e confirma o seguinte entendimento: além dos requisitos legais já mencionados, não há exigência de comprovação prévia da destinação dos recursos decorrentes da subvenção.
Vale lembrar que essa decisão foi tomada em sede de recursos repetitivos e, portanto, deverá ser observada pelas autoridades judiciárias do país (de acordo com os arts. 489, 926, 927 e 1.039 do Código de Processo Civil), e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) (de acordo com o art. 62, § 2.º do RICARF).
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”), em Nota Pública em 12/06/2023, afirmou que “O valor correspondente ao benefício deve ter registro na reserva da empresa e posteriormente ser reinvestido na expansão ou implantação de um empreendimento.”
Contudo, a parte final da transcrição acima – de que a reserva deve ser reinvestida na expansão ou implantação de empreendimento – pode dar margem a discussões sobre a necessidade de “sincronia e vinculação entre a percepção da vantagem e a aplicação dos recursos” mencionada no § 7º do art. 198 da Instrução Normativa RFB n. 1700/2017, o que certamente conflitaria com o entendimento do julgado.
Em 19 de junho de 2023, diversos amicus curiae interpuseram embargos de declaração em face do acórdão formalizado, arguindo, em síntese, o seguinte:
- Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (“ABEGÁS”): (i) erro material, por falta de indicação de parte dos ministros prolatores dos votos, o que implicaria cerceamento do direito de defesa; (ii) modulação dos efeitos da decisão proferida neste tema repetitivo (1182), para que a exigência da contabilização das subvenções de ICMS como reserva de lucros, prevista no art. 30 da Lei nº 12.973/2014, ocorra a partir da data de julgamento do recurso especial repetitivo (26/04/2023) ou ao menos, a partir da data de abril/2022, quando teria sido inaugurada a posição favorável à tese fazendária na E. Segunda Turma deste Col. STJ[1].
- Associação Brasileira de Cerealistas do Brasil (“ACEBRA”), especificamente sobre a possibilidade de a Receita Federal autuar o contribuinte que se utiliza de benefício fiscal em “finalidade estranha” à garantia da viabilidade do empreendimento econômico: (i) contradição, com o próprio entendimento do acórdão embargado de que não há necessidade de comprovação pela empresa de que a subvenção foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico, (ii) obscuridade, pois daria “carta branca” para que a Receita Federal, por qualquer outro motivo, questione o procedimento de exclusão (dos benefícios fiscais de ICMS, diferentes do crédito presumido, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL), adotado pelo contribuinte sob a justificativa de que ele utilizou o benefício em finalidade estranha à viabilidade do empreendimento econômico, e (iii) modulação dos efeitos da decisão proferida neste tema repetitivo (1182), para que a exigência da contabilização das subvenções de ICMS como reserva de lucros, prevista no art. 30 da Lei nº 12.973/2014, ocorra a partir da data de julgamento do recurso especial repetitivo (26/04/2023) ou ao menos, a partir da data de sua afetação (20/03/2023), em razão de inexistir uniformização de entendimento sobre a discussão aqui debatida antes do julgamento feito pela 1ª Seção.
- Associação Brasileira do Agronegócio (“ABAG”): modulação dos efeitos da decisão proferida neste tema repetitivo (1182), para que a exigência da contabilização das subvenções de ICMS como reserva de lucros, prevista no art. 30 da Lei nº 12.973/2014, ocorra a partir da data de julgamento do recurso especial repetitivo (26/04/2023).
Além dos amicus curiae, as empresas litigantes nos processos também interpuseram embargos de declaração, sustentando diversos vícios no julgado, a saber:
- Fast Indústria e Comércio Ltda (Recorrente no REsp n.º 1.987.158/SC): (i) modulação dos efeitos da decisão proferida neste tema repetitivo (1182), para que a exigência da contabilização das subvenções de ICMS como reserva de lucros, prevista no art. 30 da Lei nº 12.973/2014, ocorra a partir da data de julgamento do recurso especial repetitivo (26/04/2023) ou ao menos, a partir da data de sua afetação (20/03/2023); (ii) omissão sobre a tese de violação ao pacto federativo e (iii) obscuridade com relação à diferença entre crédito presumido e demais benefícios fiscais, já que independentemente da modalidade do benefício fiscal, todos seriam direcionados para a ampliação de investimentos, ressarcimento de custos correntes ou operacionais de uma dada operação ou redução do preço da mercadoria para o consumidor final.
- VDA Logística e Transporte Ltda (Recorrida no REsp n.º 1.945.110/RS): omissão sobre um dos pedidos deduzidos na peça exordial, referente ao direito do contribuinte de se valer dos benefícios fiscais de ICMS para dedução do IRPJ e CSLL em relação às operações comerciais realizadas no desempenho da atividade empresarial dos 5 anos anteriores ao ajuizamento da demanda, e a possibilidade de a empresa se utilizar em competências futuras ainda que, para tanto, seja necessário reconstituir seus registros contábeis, além do direito à compensação de eventuais recolhimentos realizados a maior em virtude da sua não fruição tempestiva.
Aguarda-se, portanto, os novos desdobramentos que podem advir dos diversos embargos de declaração opostos.
Permanecemos à disposição para análise de alternativas e viabilidade de riscos inerentes ao julgamento acima mencionado, específicas ao caso concreto.
Roberta Romano
Sócia
roberta.romano@mneder.com.br
Marcos Vinicius Neder
Sócio
marcos.neder@mneder.com.br
Larissa Pimentel de Lima
Advogada
larissa.lima@mneder.com.br
Larissa Pontelli
Advogada
larissa.pontelli@mneder.com.br
Luciane Pimentel
Advogada
luciane.pimentel@mneder.com.br
[1] STJ, REsp 1.968.755/PR, Segunda Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05.04.2022