Novas regras de Preço de Transferência no Brasil – Publicação da Lei nº 14.596/23
Em 15 de junho de 2023, foi publicada a Lei nº 14.596, que estabeleceu o novo marco legal de Preços de Transferência do Brasil (Transfer Pricing ou “TP”) na determinação da base de cálculo do Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”). A introdução da legislação se deu em razão da conversão da Medida Provisória (“MP”) nº 1.152/22.
De acordo com a exposição de motivos que embasou a aduzida MP[1], tais alterações seriam necessárias para solucionar o impacto negativo sofrido pelas multinacionais americanas instaladas no Brasil, em razão do desalinhamento da legislação brasileira ao princípio arm´s length.
Isso porque, de acordo com as atuais regras de creditamento do imposto pago no exterior (Foreign Tax Credit) vigentes nos EUA, um dos requisitos para viabilizar o creditamento é o de que a legislação estrangeira (no caso, a legislação brasileira) deve determinar expressamente a base de cálculo do IRPJ com base no princípio arm´s length.
Tal embaraço foi solucionado com a inserção do art. 2.º da Lei 14.596/2023, o qual reproduz expressamente o conteúdo do princípio arm’s length, elemento fundamental do sistema e padrão adotado internacionalmente para o controle dos preços de transferência em transações entre partes relacionadas.
A referida MP nº 1.152/22 foi convertida na Lei nº 14.596/23 por sanção do Presidente da República, sem alterações significativas no texto aprovado pelo Senado Federal.
Abaixo, destacamos alguns dos principais pontos alterados:
Alterações
Como era (arts. 18 a 23, da Lei nº 9.430/1996)
Como ficou (Lei 14.596/2023)
Princípio Arm’s Length(“ALP”)
Previsão implícita, determinando o preço que seria praticado entre partes independentes.
Plena e expressa adoção ao princípio para determinação da base de cálculo de IRPJ e CSLL em transações com partes relacionadas. Os termos e condições de uma transação controlada serão estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis.Esse princípio baliza todo o conteúdo normativo previsto nos demais dispositivos da legislação.
Ajustes de Preços de Transferência
Realização de ajustes que afetam exclusivamente a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Previsão de ajustes: I – espontâneo (efetuado pela pessoa jurídica diretamente na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, na forma de adição); II – compensatório (realizado pelas partes da transação controlada, até o encerramento do ano-calendário, com vistas a ajustar o valor da transação); III – primário (efetuado pela autoridade fiscal, por meio de adição à base de cálculo do IRPJ e da CSLL, caso o contribuinte não efetue nenhum dos ajustes anteriores); IV – secundário (decorrência do ajuste espontâneo e primário, diante do fato de que o lucro transferido permanece localizado e registrado em outra jurisdição – nesse caso, o montante do valor ajustado será considerado crédito concedido pelo contribuinte brasileiro às partes relacionadas envolvidas na transação controlada e remunerado à taxa de juros de 12% – tais juros deverão ser adicionados na base de cálculo do IRPJ e da CSLL).
Métodos de Preços de Transferência
Metodologias inspiradas nos métodos: (i) Preços Independentes Comparáveis – PIC (equivalente ao Comparable Uncontrolled Price Method); (ii) Preço de Revenda menos Lucro – PRL (equivalente ao Resale Price Method); (iii) Custo mais Lucro – MCL (equivalente ao Cost Plus Method); Liberdade de escolha do método pelo próprio contribuinte.
Métodos (i) Preços Independentes Comparáveis – PIC (equivalente ao Comparable Uncontrolled Price Method); (ii) Preço de Revenda menos Lucro – PRL (equivalente ao Resale Price Method); (iii) Custo mais Lucro – MCL (equivalente ao Cost Plus Method); (iv) Margem Líquida da Transação – MLT (equivalente ao Transactional Net Margin Method); Divisão do Lucro – MDL (equivalente ao Profit Split Method).Previsão de outros métodos (por exemplo, técnicas de valoração), quando se demonstrar que nenhum dos métodos anteriormente descritos é mais apropriado ao caso concreto, e desde que a metodologia alternativa produza os resultados de acordo com o princípio arm´s length.Método selecionado deve ser o mais apropriado ao caso concreto, considerando por ex., a natureza da transação controlada, a disponibilidade de informações confiáveis, o grau de comparabilidade entre as transações.Preferência pelo método PIC em relação aos demais, caso seja possível identificar preços de transações não controladas comparáveis (ou seja, preços independentes comparáveis);
Commodity
Método específico para commodity (PCI – Preço sob Cotação na Importação e Pecex – Preço sob Cotação na Exportação)Listagem de mercadorias consideradas commodities, de maneira taxativa.
Recomendação para adoção do método PIC, quando estiverem disponíveis informações confiáveis de preços independentes comparáveis para a commodity transacionada, incluindo preços de cotação.De acordo com o método PIC, o valor da mercadoria será apurado com base na data ou prazo pactuado pelas partes para precificar a operação. Para tanto, é necessário que o contribuinte apresente documentação comprobatória da data ou prazo pactuado, e que a referida data seja compatível com os fatos e conduta real das partes envolvidas. Caso o contribuinte não reúna documentos que comprovem a data acordada, a autoridade fiscal poderá se valer da média do preço de cotação da data do embarque ou do registro da declaração de importação para precificar a transação.Conceito amplo de commodity, abandonando-se a taxatividade do regramento anterior.
Serviços intragrupo
Escassez de normas para o tratamento envolvendo serviços.
Regramentos sobre o valor da remuneração estabelecida entre as partes relacionadas na transação controlada, e a necessidade de convergência com o princípio arm´s length.Condições para a utilização dos métodos de cobrança direta ou indireta, inclusive a respeito dos critérios de rateio que devem ser observados quando se utiliza uma base de custos comuns como ponto de partida para determinação da remuneração em linha com o arm’s length.
Processo de consulta
Regramento geral do processo de consulta (Decreto 70.235/1.972)
Instituição do Processo de Consulta Específico em Matéria de Preços de Transferência, semelhante à ferramenta largamente utilizada no âmbito internacional (Advanced Pricing Arrangements – APAs).A situação concreta é analisada pela autoridade fiscal com maior grau de detalhamento, inclusive, estabelecendo-se a metodologia a ser utilizada pelo contribuinte e outros aspectos para o cumprimento das normas. A solução de consulta terá validade de 4 (quatro) anos, prorrogável por mais 2 (dois) anos, e depende de instituição por parte da Receita Federal do Brasil.
Caso os contribuintes queiram aplicar as regras de preços de transferência previstas na Lei 14.596/2023 às transações controladas realizadas no ano-calendário de 2023, tal opção deverá ser formalizada no período de 1º a 30 de setembro, mediante abertura de processo digital por meio do Portal do Centro Virtual de Atendimento (Portal e-CAC) e anexação de formulário indicativo da referida opção, consoante Instrução Normativa RFB nº 2132/23.
Para os contribuintes que não desejarem aderir às novas regras em 2023, o modelo será obrigatório a partir de janeiro de 2024.
A expectativa é de que, em breve, a RFB expeça novos atos normativos e administrativos sobre as novas regras de preço de transferência
Permanecemos à disposição para análise de alternativas e viabilidade de riscos inerentes às novas regras acima, específicas ao caso concreto.
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