- INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) regulamenta as relações tributárias entre o Fisco e o cidadão (seja pessoa física ou pessoa jurídica) com relação à tributação de livros, jornais e periódicos, delimitando o campo tributável colocado à disposição dos entes tributantes.
Toda interpretação do direito legislado, segundo afirma Alf Ross, começa com um texto, isto é, com uma forma linguística escrita. No presente caso, o artigo 150, III, “d”,
da CF/88 é bastante claro: «é vedado instituir impostos sobre: (…) d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão». Ocorre que o vocábulo “livro” é vago. Há um sentido convencional (de papel, impresso, encadernado e com capa) e um segundo sentido que, por estar dentro do círculo de denotação possível da palavra «livro», inclui livro eletrônico e seus acessórios.
Há quem sustente que tais inovações tecnológicas na área de ensino vão ao encontro
da finalidade almejada pela norma constitucional de proteger valores relevantes para nossa sociedade, como a liberdade de pensamento, de imprensa, do direito de crítica, estimulando a cultura, o acesso à informação e a educação.
O manuseio de material didático por meio de mídias eletrônicas é um fato relativamente recente. Em decorrência dos avanços na área tecnológica, o compartilhamento de textos didáticos, que antes era feito apenas em papel, passou a ser possível por meio de formas muito mais eficientes tanto do ponto de vista da aprendizagem como na perspectiva do acesso à informação.
A transmissão eletrônica dos dados das empresas para os usuários das diversas esferas
e vice-versa tornou-se uma realidade, beneficiando não só as empresas do segmento de produção literária, mas também os próprios usuários, que se favorecem da redução de custos dispendidos com a edição, a transmissão e o armazenamento do material didático. Paulatinamente, o mundo da avançada tecnologia demonstrou ser um ambiente receptivo a melhorias no relacionamento entre autores e seu público de leitores, complementando as técnicas e ferramentas tradicionais disponíveis para a troca de informações. Num futuro próximo, essa evolução sinaliza para a redução da quantidade de obras impressas que hoje são disponibilizadas em meio físico ao público.
Nesse contexto, os operadores do direito passaram a se defrontar com uma nova realidade que não estava presente quando o texto constitucional foi concebido, em 1988. Como essa imunidade é objetiva, resta clara a necessidade de se equacionarem novas questões que surgiram na comunidade jurídica pátria com relação à interpretação do texto constitucional.
Em 8 de março de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários n. 330.817/RJ5 exclusivamente utilizados para fixá-los) e n. 595.6766
(imunidade sobre E-Books e os suportes (imunidade a bens e materiais eletrônicos que cumprem função didática e informativa em auxílio aos livros e periódicos impressos em papel), estendeu a referida imunidade para os livros eletrônicos e os suportes próprios para sua leitura.
Este artigo busca justamente examinar a conotação e a denotação do vocábulo “livro”,
disposto no artigo 150, III, “d”, da CF/88, determinando o sentido e o alcance dessa imunidade tributária, bem como busca equacionar sua aplicação aos acessórios que compõem o material didático eletrônico, a exemplo de aplicativos e de elementos que auxiliem a leitura digital.
- SOBRE A INTERPRETAÇÃO DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
O conceito de imunidade não é pacífico na doutrina. Alguns autores, como Amílcar
de Araújo Falcão e José Souto Maior Borges, entendem que a imunidade é uma providência constitucional que impede a incidência tributária, ou seja, seria uma hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada. Já Luciano Amaro e Aliomar Baleeiro. Paulo de Barros Carvalho, Roque Antonio Carraza consideram-na como exclusão do próprio poder de tributar ou supressão da competência impositiva e Fabiana Del Padre Tomé, de forma diversa, acreditam que são normas jurídicas, contidas no texto constitucional, que demarcam, em sentido negativo, as competências tributárias das pessoas políticas.
No presente trabalho, será adotado este último posicionamento, no sentido de que as
regras de imunidades são as que determinam a incompetência das pessoas jurídicas de instituir tributos. Então, a imunidade não exclui nem limita a competência tributária, pois ela é uma norma que, conjugada com as demais, traça a competência tributária constitucionalmente desejada. Elas são normas de estrutura, pois dispõem sobre a produção, a modificação e a extinção de outras normas do ordenamento jurídico.
As normas jurídicas, por serem objeto do mundo da cultura, estão sempre impregnadas de valor, que variam de intensidade de norma para norma. Tais valores podem ser encontrados de forma independente das estruturas normativas, ou assentados em regra de forte hierarquia, como limites objetivos. De modo que os valores sempre serão subjetivos, cabendo ao intérprete graduá-los de acordo com suas ideologias. Já os limites objetivos são regras objetivas que visam atingir certos fins, realizar valores de forma indireta, sendo, portanto, ao contrário dos valores, de fácil verificação.
Nesse contexto, pode-se concluir que as imunidades representam limite objetivos,
pois trazem um valor como um fim a ser alcançado, ou seja, buscam a realização de princípios que a inspiram, tal como salienta Roque Antonio Carraza:
(…) a maioria das imunidades contempladas na Constituição é uma decorrência natural dos grandes princípios constitucionais tributários, que limitam a ação estatal de exigir tributos (igualdade, capacidade contributiva, livre difusão da cultura e do pensamento, proteção à educação, amparo aos desvalidos etc.).
As imunidades existem para assegurar princípios fundamentais, de modo que não
devem ser interpretadas restritivamente, e sim de forma ampla, considerando o contexto em que se encontram inseridas e a finalidade que se busca atingir. Nesse mesmo sentido, Roque Antonio Carraza entende que o bem jurídico tutelado pela imunidade tributária deve ser interpretado de forma extensiva:
Além disso, a consagração, pelo texto Constitucional, de imunidades tributárias, é invariavelmente a consequência lógica de um direito fundamental. Assim, para salvaguardá-lo, pedem interpretação extensiva.
O próprio Poder Judiciário já tem se manifestado no sentido de atribuir à norma imunizante um sentido amplo, de modo a assegurar os princípios constitucionais que as justificam. É o que se pode verificar no voto do Desembargador Federal Johonsom di Salvo, na Apelação Cível n. 0023707-30.2008.403.6100/SP, ao tratar da imunidade
tributária de álbum de figurinhas (cromos):
A imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal alcança também os
cromos adesivos, figurinhas ou “cards” integrantes dos livros ilustrados por interpretação extensiva da imunidade tributária prevista no texto constitucional, pois estes proporcionam o acesso à educação, à informação e à cultura, frisando-se que a disposição constitucional expressa, não diferencia a qualidade do livro e não estabelece condição ou restrição ao seu gozo.
Em outro trecho, explica o magistrado que:
interpretar restritivamente o artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal, atendo-se à mera literalidade do texto e olvidando-se da evolução do contexto social em que ela se insere, implicaria inequívoca negativa de vigência ao comando constitucional. In casu, a melhor opção ao intérprete é a interpretação teleológica, buscando aferir a real finalidade da norma, de molde a conferir-lhe a máxima efetividade, privilegiando, assim, aqueles valores implicitamente contemplados pelo constituinte.
O Ministro Dias Toffoli, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 385.091-DF, esclarecendo a diferença entre a isenção e a imunidade, dispôs que a imunidade deve ser interpretada de forma extensiva, ao contrário da isenção, que deve ser restritiva:
A imunidade é uma garantia constitucional outorgada pela Carta Política que impede o exercício da competência legislativa. A isenção é um favor fiscal concedido pelo legislador ordinário. No caso da imunidade de que se trata, esta Corte tem conferido interpretação extensiva nos diversos precedentes em que se discute a compreensão do que seja o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades contempladas no texto constitucional, ao passo que tem interpretado restritivamente as normas de isenção.
Nesse mesmo sentido, a Segunda Turma do STF, em voto da Ministra Ellen Gracie,
decidiu que a imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à impressão dessas publicações tem por finalidade evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, consagrada no inciso IX, do artigo 5o, da CF/88, além de facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação, com a redução do preço final de tais produtos.
Dessa forma, tanto a doutrina como a jurisprudência estão alinhadas na interpretação ampla dos enunciados prescritivos que tratam de imunidade tributária. No caso da imunidade sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, o valor a ser protegido é a liberdade de pensamento, de imprensa, do direito de crítica, de difusão da cultura, o acesso à informação e à educação.
3. O ALCANCE DA IMUNIDADE DE LIVROS ELETRÔNICOS (E-BOOKS)
No que se refere à delimitação da extensão da imunidade conferida aos livros, é importante destacar que o STF vinha negando a aplicação da imunidade aos insumos necessários à produção de livros, pois entendia que estes não estavam compreendidos dentro do significado real da expressão “papel destinado à sua impressão”. A imunidade era interpretada de maneira literal para atingir apenas os materiais similares ao papel, quais sejam os filmes e os papéis fotográficos.
Não obstante a não competência dos entes federativos para instituir impostos sobre
os referidos produtos, sua extensão sempre foi campo de grande controvérsia nos diversos tribunais, mormente em razão do grande avanço tecnológico que alterou significativamente os hábitos de difusão de conhecimento e informações, sendo em grande parte realizados por meios eletrônicos.
No STF, havia um debate sobre se os livros eletrônicos (e-books) estariam compreendidos no conceito de “livro” e, dessa forma, poderiam usufruir a imunidade tributária. A primeira corrente, utilizando o método de interpretação literal, defendia que a imunidade alcançava somente aquilo que podia ser compreendido dentro da expressão “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. Neste sentido, tem-se a decisão monocrática proferida pelo Ministro Eros Grau no julgamento do Recurso Extraordinário n. 282.387/RJ, em que se debatia a imunidade dos impostos incidentes sobre a importação de CD-ROMs que acompanham livros técnicos de informática:
”A imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da Constituição, está restrita apenas ao papel ou aos materiais a ele assemelhados, que se destinem à impressão de livros, jornais e periódicos.”
Num sentido contrário, os Ministros Marco Aurélio, Ayres Britto e Cármem Lúcia,
numa interpretação teleológica, defendiam que o espírito da Constituição é no sentido de favorecer a leitura de livros, jornais e periódicos. Se o aparato tiver essa destinação, ele estará abrangido pela imunidade. A imunidade deve ser interpretada de modo lato, segundo o Min. Carlos Ayres Britto; ela tem base nos direitos fundamentais, notadamente aqueles relacionados à liberdade de pensamento e de expressão:
“Ou seja, o espírito da Constituição é esse mesmo, é favorecedor da leitura dos livros, jornais e periódicos. Se essa peça sobressalente tem essa específica serventia, isto é, a destinação, o fim, a impressão nessas três dimensões, ela está abrangida pela imunidade. A imunidade deve ser interpretada de modo lato, porque favorecedor exatamente dessa leitura de livros, jornais e periódicos.”
A interpretação teleológica da norma imunizante é também utilizada pelo Min. Celso Antônio Bandeira de Mello, ao dispor que:
“É preciso ter presente, na análise do tema em exame, que a garantia da imunidade estabelecida pela Constituição republicana brasileira, em favor dos livros, dos jornais, dos periódicos e do papel destinado à sua impressão (CF, artigo 150,VI, “d”), reveste-se de significativa importância de ordem política-jurídica, destinada a preservar e a assegurar o próprio exercício das liberdades de livre manifestação do pensamento e de informação jornalística, valores em função dos quais essa prerrogativa de índole constitucional foi conferida, instituída e assegurada.”
Recentemente, o Plenário do STF, no julgamento dos Recursos Extraordinários n. 330.817/RJ e n. 595.676, adotou a interpretação finalista, e estendeu a imunidade para
os livros eletrônicos e os suportes próprios para sua leitura.
O Ministro Dias Toffoli, em seu voto, defendeu que o objetivo dos Constituintes era baratear os custos de produção do livro e permitir a difusão da cultura, ideias e pensamentos: “ou seja, o constituinte não objetivou conferir um benefício a editoras ou a empresas jornalísticas, mas sim imunizar o bem utilizado como veículo do pensamento, da informação, da cultura e do conhecimento”.
Usando a interpretação sistemática e finalística dos dispositivos correlatos a esse tema, em função de seu papel na concretização do Estado Democrático de Direito e outros princípios constitucionais, o Ministro explica que:
“De tudo até aqui exposto, importa notar que a Corte, seja na Carta Federal de 1969, seja na Constituição Federal de 1988, para considerar como imune determinado bem (livro, jornal ou periódico) tem voltado o olhar para a finalidade da norma, de modo a maximizar seu potencial de efetividade.”
“Assim o foi na decisão de se reconhecerem como imunes: a) as revistas técnicas, em
razão da importância de suas publicações e da grande circulação (RE n. 77.867/SP); b) a lista telefônica, por seu caráter informativo e sua utilidade pública (RE n. 101.441/RS); c) as apostilas, por serem simplificações de livros e veicularem mensagens de comunicação e de pensamento em contexto de cultura (RE n. 183.403/SP); d) os álbuns de figurinha, por estimular o público infantil a se familiarizar com os meios de comunicação impressos (RE n. 221.239/SP); e) mapas impressos e atlas geográfico, em razão de sua utilidade pública (RE n. 471.022/RS). A contrário sensu, não foram reconhecidos como imunes os calendários, por não serem veículos de transmissão de ideias (RE n. 87.633/SP)”.
Além disso, o Ministro Dias Toffoli, cujo voto foi seguido pelos demais Ministros,
deixou claro que a imunidade tem por objetivo a difusão da informação e da cultura, sendo irrelevante o seu suporte físico.
4. SOBRE O ALCANCE DA IMUNIDADE AOS ACESSÓRIOS (SOFTWARES EDUCATIVOS)
Sob o ponto de vista lógico, a ideia de “acessoriedade” implica vínculo de dependência. Com efeito, o adjetivo “acessório”, segundo registra o Dicionário Aurélio, significa: “1) O que está junto a coisa principal; 2) Circunstância acidental; 3) Peça que completa ou melhora o funcionamento de algo; 4) Peça ou adorno que se acrescenta ao vestuário; 5) Que se junta ou incorpora por acessão; 6) Que se pode dispensar; 7) Que não é muito importante”. Todo elemento acessório carece, pois, de existência autônoma. É impossível pensar no acessório sem se reportar ao seu principal.
No caso em análise, os acessórios são os elementos que completam ou melhoram o funcionamento dos livros eletrônicos, como, por exemplo, os aplicativos, o software. São elementos que integram o livro, sendo indissociáveis para o reforço do aprendizado da matéria, para a assimilação e a fixação do conteúdo. De modo que os acessórios seguem o principal, tendo também por função a difusão da informação e da cultura contidas no livro.
Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 2a Região30 decidiu que a imunidade deve ser analisada de forma finalística, devendo ser estendida aos seus acessórios:
“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – IMUNIDADE – livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão – ART. 150, VI, D, DA CRFB/88 – EXTENSÃO AO MATERIAL DEMONSTRATIVO QUE ACOMPANHA OS FASCÍCULOS PERIÓDICOS DE CUNHO EDUCATIVO. 1. O ponto controvertido cinge-se à apreciação do direito à imunidade prevista no art. 150, VI, d, da CRFB/88, de modo a possibilitar o afastamento da incidência de imposto sobre peças para montagem e funcionamento de laboratório de eletrônica que acompanham os fascículos educativos relativos a curso de eletrônica, objeto de importação pela apelante. 2. O escopo da norma constitucional em exame é garantir a liberdade de comunicação e de pensamento, e, também, incentivar a divulgação do conhecimento e a disseminação da cultura. 3. In casu, observa-se que as peças que acompanham os fascículos têm nítido propósito educativo, destinando-se a viabilizar uma melhor aprendizagem do material teórico. 4. Desta forma, o texto constitucional deve ser interpretado de maneira teleológica, de forma a incluir as amostras do kit no conceito de livros e periódicos da regra imunizante, pois são peças indissociáveis para o reforço do aprendizado da matéria, assimilação e fixação do conteúdo. 5. Além disso, os fascículos de nada servem sem as peças que os acompanham. Tanto é assim que as peças não são comercializadas separadamente, mas sim em conjunto, e adquirem feições de meros acessórios. Portanto, aplica-se a regra de que o acessório segue o principal, inclusive na extensão da imunidade. 6. Apelação interposta pela empresa impetrante provida, para determinar à autoridade impetrada que proceda ao desembaraço aduaneiro da mercadoria, independentemente do recolhimento de qualquer imposto.
Da mesma forma, o Ministro Roberto Barroso, em relação a software educativo, se pronunciou no sentido de que esse também estaria contemplado pela imunidade:
MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ADMISSIBILIDADE QUANDO HÁ O RISCO DE LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO E DE SANÇÕES PELA AUTORI-DADE IMPETRADA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. SOFTWARES EDUCATIVOS. BENEFÍCIO QUE NÃO SE DESTINA AO INSTRUMENTO, MAS A SEU CONTEÚ-DO. RECONHECIMENTO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 150, VI, d, DA CONSTI-TUIÇÃO FEDERAL. RECURSOS IMPROVIDOS.
O acórdão está alinhado com o entendimento firmado por esta Corte no julgamento
do RE 330.817 (Tema 593 da sistemática da repercussão geral) no sentido de que “A imunidade tributária constante do artigo 150, VI, d, da CF/88 aplica-se ao livro eletrônico (e–book), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo”.
Ademais, o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, ao analisar a
questão, decidiu que a enciclopédia digital (Barsa Linguaphone), incluindo os seus acessórios, também goza da referida imunidade:
O cerne da questão ora controvertida está em saber se a obra produzida pela autuada
“BARSA LlNGUAPHONE”, composta de 07 livros, 12 fitas cassetes de áudio, 02 fitas de vídeos, 01 CD-Rom e 01 estojo de papel, cuja venda foi feita como um todo e não de forma
individualizada, são alcançadas pela imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, “d”, da Constituição Federal.
(…)
Também nesse sentido. a lição do i. Df. José Eduardo Soares Mello dispõe que os
processos tecnológicos para a elaboração dos livros, jornais e periódicos são totalmente irrelevantes, como é o caso de programas de computador (CD-Rom), disquetes, fitas cassete e demais elementos de informática, que também se encaixam no âmbito imunitório, uma vez que atendem às mesmas finalidades dos apontados veículos de comunicação. Trata-se de novos instrumentos que também transmitem ideias e conhecimentos e que, numa interpretação tecnológica, inserem-se na mesma moldura cultural veiculada aos livros (MELO, José Eduardo Soares. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997).
(…)
A assertiva do Julgador Tributário de que a palavra “livro” mencionada na letra “d”, no inciso VI, do artigo 150 da Constituição federal, se refere exclusivamente ao papel impresso, desprezando o formato eletrônico, é arcaica e ultrapassada, distanciados da realidade. Demonstrado que o material didático é empregado nas várias etapas do ensino de língua estrangeira, evidentemente, goza da imunidade tributária, não tendo como restringir o alcance da norma, pois os livros têm idêntica finalidade. Restringir esse alcance contraria o objetivo do legislador constituinte, cujo espírito está dirigido no sentido de permitir a mais ampla divulgação de ideias e de liberdade de informação, empregada a expressão como meio de difusão da cultura e educação.
(…)
Dessa forma, verificado que o preceito constitucional que disciplina a imunidade
compreende todo tipo de livro e material didático, qualquer tentativa em contrário constitui agressão ao texto maior, particularmente em face da própria sistemática do ICMS que, admitido como tributável a obra produzida pela autuada “BARSA LlNGUAPHONE”, estaria frustrando o alcance do mandamento constitucional.
O próprio STF, por meio do Recurso Extraordinário n. 595.676, em sede de repercussão geral, entendeu que a imunidade abrange também as peças e os componentes a serem utilizados como material didático que acompanhe as publicações:
O alcance da imunidade tributária, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da
Constituição Federal, considerado o comércio de “bens e materiais eletrônicos” que cumprem função didática e informativa em auxílio aos livros e periódicos impressos em papel. Apenas os meios tradicionais de ensino e informação gozam da imunidade ou os componentes eletrônicos, quando desempenham papel didático e informativo complementar, em auxílio aos primeiros, também são abrangidos pela norma constitucional? (Grifos nossos.)
Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio se manifesta a favor da extensão da imunidade para os acessórios, pois trata-se de elementos indispensáveis ao conjunto didático, devendo ser considerados como parte integrante do produto final:
“Consoante assentado no acórdão recorrido, o Tribunal de origem concluiu pela imunidade tributária relativa à aquisição, do exterior, de peças eletrônicas que integram, juntamente com fascículos explicativos, material didático voltado ao aprendizado de montagem de computadores. Julgou os aludidos elementos indispensáveis à transmissão do conteúdo educacional, representando a dimensão prática do curso, ao passo que os fascículos consubstanciam a parte teórica. Ante essa premissa, entendeu estar-se diante de um conjunto integrado de cunho educativo, de modo que a imunidade alcança o todo, inclusive os bens eletrônicos, a despeito de não revestirem forma em papel.”
(…)
Atua-se em sede excepcional à luz da moldura fática delineada pelo Tribunal de origem, considerando-se as premissas constantes do acórdão impugnado. Há de se realizar o enquadramento jurídico-constitucional relativo ao teor do próprio pronunciamento atacado. É estreme de dúvidas, porquanto assentado na instância soberana no exame dos elementos probatórios do processo, que a recorrida comercializa publicações periódicas de cunho educativo – cursos de eletrônica –, importando, para tal fim, os fascículos impressos e os elementos eletrônicos discutidos. O Tribunal consignou que esses componentes não só acompanham o material de ensino, mas o complementam, sendo utilizados para fins didáticos em curso prático de montagem de computadores. Apontou haver uma unidade didática envolvendo a parte teórica – os fascículos impressos – e a prática – os componentes eletrônicos.
(…)
O acórdão não merece reparos. A extensão da imunidade tributária em favor desses elementos justifica-se, a mais não poder, em razão de constituírem material complementar ao conteúdo educativo. Não se trata de bens que possam ser caracterizados como “brindes comerciais”, presentes apenas como forma de atrair a aquisição do produto pelo público. Não são ornamentos. Representam, inequivocamente, elementos indispensáveis ao conjunto didático, integrando o produto final, acabado, voltado a veicular informações de cunho educativo atinentes a cursos de montagem de computadores, comercializados pela recorrida. Fascículo impresso e componentes eletrônicos são partes fisicamente distinguíveis, finalística e funcionalmente unitárias. Tenho como atendido o pressuposto básico da imunidade de que cuida a alínea “d” do inciso VI do artigo 150 da Carta da República. (Grifos nossos.)
Verifica-se, portanto, que a interpretação dos Tribunais Superiores tem estendido o alcance da imunidade dos livros aos seus acessórios, visto que estes são elementos indispensáveis ao conjunto didático, integrando o produto final, e que se voltam a veicular informações. Seriam, no dizer do Ministro Marco Aurélio, mera manifestação prática do curso teórico englobado pelo livro.
Deve-se, portanto, examinar o conteúdo dos acessórios incluídos no material didático, de modo a verificar a sua integração e a sua compatibilidade com o conjunto. Nesse sentido, eventuais aplicativos devem complementar, sem inovar, a publicação disponibilizada.
5. CONCLUSÕES
Pelo exposto, pode-se concluir que as imunidades são normas de estrutura que atingem diretamente a competência dos entes tributantes, estabelecendo, juntamente com as demais regras da própria Constituição, a competência de cada um dos agentes que participam do processo produtivo das normas jurídicas de natureza tributária.
As imunidades são limite objetivos, pois não trazem um valor em si, mas como um fim a ser alcançado, ou seja, buscam a realização de princípios por eles tutelados.
A imunidade relativa aos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão, prevista no artigo 150, VI, “d”, da CF/88, visa atender os objetivos constitucionais de difusão da cultura e de divulgação do pensamento.
Como as imunidades existem para assegurar princípios fundamentais, elas devem ser interpretadas de forma ampla e extensiva, considerando o contexto em que se encontram inseridas e a finalidade que buscam atingir.
Por todo o exposto, o vocábulo “livro” no texto constitucional deve ser entendido de forma ampla, devendo a imunidade ser aplicada também aos acessórios que integram o livro, desde que fundamentais à veiculação da informação do conjunto didático.